Depois de amanhã faz precisamente trinta e dois anos sobre a data em que, alguns de nós, fomos presenteados com um movimento denominado dos capitães e que permitiu se criassem expectativas sobre uma vida melhor para todos os portugueses e principalmente que se sentisse a liberdade nos mais diversos aspectos individuais e sociais.
Foi deste modo que nos deram a entender que estávamos a “entrar” num espaço temporal essencialmente democrático, embora tal estivesse associada à responsabilidade de cada um individualmente enquanto integrado em sociedade.
Pessoalmente assumo que o movimento teve por base a situação insuportável de mal-estar que se sentia na população portuguesa, principalmente aquela que vivia nos meios urbanos, em termos de reivindicação latente, a situação de guerra existente e a existência de uma classe social bastante favorecida, que de um modo mais ou menos ostensivo teimava em manter o conjunto de regalias de que beneficiava.
Daí que um movimento que se intitulava revolucionário e que pretendia alterar esta situação, fosse recebido de “braços abertos” despertando na população, de um modo geral, um sentido de simpatia, de aderência e de legitimidade.
É certo que o futuro dos governantes da altura era de um modo geral, muito pouco consistente em termos de continuação do regime, sendo previsível que mais tarde ou mais cedo se verificasse um movimento no sentido de alterar toda esta situação.
Fundamentalmente criando expectativas de evolução socio-económica e cultural à população portuguesa, foi de certo através da adesão que oportunamente ocorreu e o apoio da Europa Comunitária que conseguimos atingir alguns dos objectivos de que tanto carecíamos e desejávamos.
Connosco entrou a nossa Ibérica irmã – a Espanha – verificando-se no decurso do tempo que esta, embora partindo de uma “saída” do regime franquista mais tardia e de uma situação económica menos favorável, conseguiu crescer económica, social e culturalmente a um ritmo mais acelerado que o de Portugal.
Na minha opinião a rejeição do regime salazarista/marcelista representou o virar de página que quase todos nós merecíamos/queríamos.
A democracia tinha chegado e todos acreditávamos que a existir, seria consubstanciada num futuro mais verdadeiro, sem favoritismos, em que os melhores seriam considerados e em que não mais prevalecesse a situação de indivíduos integrados em grupos ou grupelhos – considerados estes quer a nível religioso quer desportivo quer político quer em outro qualquer aspecto - e os critérios oportunidade apenas se baseassem em elementos caracterizadores definidos através da qualidade nos mais diversos aspectos.
A realidade trouxe-nos no entanto algo extremamente diferente.
Aquela democracia que muitos de nós entendemos ser real, no verdadeiro sentido da palavra, tornou-se em algo vazio, com nuances acentuadíssimas de oportunismo e que deu origem à criação de novas elites.
Continua a não ser o mérito do individuo em si que prevalece para a ocupação de alguns – mas muitos - cargos políticos existentes.
É comum conhecerem-se casos de ocupação de cargos, aos mais diversos níveis de governação, em que a qualidade pessoal e profissional do indivíduo é preterida a favor de filiados e simpatizantes dos partidos ou mesmo de familiares ou amigos.
O oportunismo leva, nesta democracia, a que se favoreçam pessoas conseguindo-se “dar” o aspecto de que os muitos e diversos concursos para ocupação de postos de trabalho existentes, cumprem as regras mínimas de seriedade.
É uma verdadeira democracia “musculada” em que quem se manifesta contra determinadas situações, quer por escrito quer falando, e não entrando no “jogo” se sente preterido ou mesmo prosseguido, sendo o melhor que lhe pode acontecer o ser colocado numa “prateleira” mais ou menos dourada.
Prevalecem as situações, benéficas a quem governa e deseja continuar a deter este poder, de indivíduos que bastas vezes nem pertencendo aos quadros das instituições onde desempenham a sua (má) actividade profissional, são comummente identificados como capachos.
Os tais que não tendo onde “cair mortos”, muitas das vezes sem grandes qualificações literárias ou profissionais, vão “rezando” diariamente para que o seu “santo patrono” não caia em desgraça e lhes seja retirado o cargo e benesses de que desfrutam.
Mas reconhecendo o “serviço” prestado muitos deles beneficiam de entradas para os quadros das instituições ou empresas públicas e por lá ficam, andrajosamente andando ao sabor do momento e sem fazer ondas, não vão os colegas lembrarem-se do passado.
Depois é todo um conjunto de indivíduos que de modo atrevido se candidatam – ou melhor dizendo, “aceitam” a oportunidade de ocuparem cargos – concluindo-se posteriormente que no seu passado existe uma qualquer situação menos clara perante a justiça, quer a nível civil quer fiscal.
São as promessas eleitorais as quais após a “tomada” do poder, deixam de ter significado e se passa a actuar de modo totalmente contrário, deixando de se ter em consideração que foram os eleitores que levaram os eleitos ao poder, que tanto desejaram.
Por exemplo, deixam de ter sentido os aspectos sociais referenciados como carências existentes nas crianças e nos idosos.
Num povo em que o número de crianças é cada vez menor e o de idosos é cada vez mais elevado, o aspecto que sobressai como preocupação é cada vez mais o económico em detrimento do social.
No entanto o período de reforma de uma certa elite nacional é “atravessada” por chorudas reformas mensais, em detrimento de um grupo de idosos cada vez mais carente.
Os governantes dizem-se preocupados e recentemente afirmaram que vão actuar de modo a proporcionarem melhores condições de vida a esta gente, só que num período de dez anos.
Por outras palavras, dizem-nos que vão fazer tudo que devem fazer mas num prazo que eles próprios nem sabem se serão governo, embora o desejem para seu próprio bem.
Continuam as situações mais ou menos claras de viagens, faltas e ajudas de custo aos deputados fora da zona da cidade de Lisboa – quem os obrigou a candidatarem-se? Eu não fui! – jantares e comitivas, carros e pessoal de apoio em excesso – onde se encaixam os familiares, amigos e demais capachos – numerosas benesses, etc…
Continuam alguns cidadãos, quer por escrito quer verbalmente, a tentar mostrar publicamente que tudo isto em quase nada difere do que existia antes de Abril de 74, e que o “rei vai nu”.
Na realidade, não sendo motivo de prisão como no passado, tudo isto implica que mais ou menos se vai sofrendo o ostracismo de quem detém o poder.
Compreendo plenamente que muitos de nós, embora sentindo um enorme desejo de escrever ou falar, não o façam, tendo em atenção o seu próprio futuro ou dos seus familiares.
Por isso Abril foi algo que me deu enorme alegria ao ocorrer pelo que para mim representava em termos de futuro.
Abril é agora uma leve reminiscência da democracia que então eu assumia ir ser, fundamentalmente culpar dos “maus” governantes que estas três décadas permitiram que escolhêssemos.
Procura-se novo Abril.
In Correio dos Açores
Saturday, August 11, 2007
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment